"um nao é pouco; dois é bom; três é demais." eis o slogan lançado pela nova china em 1965 - quando as crianças, esfomeadas, "brincam" de comer carvao - para conter o rápido crescimento populacional, numa política de planejamento familiar que se perpetuará por décadas
Nesse contexto, o nobel de literatura mo yan dá voz a corre corre, aspirante a escritor que vê a tia como heroína e quer transformar sua vida em peça de teatro, nao sem antes rememorar sua história
Trata-se de fato de uma mulher extraordinária
Nascida em 1937, é a primeira parteira da aldeia a estudar obstetrícia e a enxergar o ofício para além de métodos supersticiosos
Combinando a compaixao de médica a uma autoridade de general, logo se torna a oficial responsável pelo controle de natalidade
Ela deve educar jovens famílias a terem apenas um filho e, quando necessário, realizar abortos, levando a diretriz do estado às ultimas consequências
Conforme os anos se passam neste épico intergeracional, a política do filho unico se burocratiza e corrompe, mas a tia de corre corre, revolucionária convicta, nao enxerga os podres do sistema imoral em que está enredada
Se em chinês a palavra "wa", que dá título ao romance, significa tanto "ra" como "bebê", as ras desta trama sao objetos de horror e desejo, como os filhos da revoluçao cultural na china, muitas vezes cobiçados pelas famílias e renegados pelo estado
De atmosfera exuberante e imaginário plástico, as ras traz o melhor do realismo fantástico, comprovando por que mo yan costuma ser comparado a gabriel garcía márquez
O lirismo, a inventividade da linguagem e a forma bem-humorada de tratar os cenários mais dramáticos, oscilando entre a poesia e o horror, o naïf e o escárnio, transformam esse relato ambientado em uma aldeia da china em clássico universal.